Depois da viagem a Inglaterra, o Benfica volta já ao campeonato português na próxima terça-feira. O adversário é o Sporting. Nas últimas quatro temporadas estes encontros entre os rivais históricos nem sequer pertenciam ao campeonato português (no seu todo), diziam antes respeito a uma sub-espécie de sub-campeonato.
Com total objectividade, estes derbies lisboetas pertenciam única e exclusivamente ao campeonato da Segunda Circular que, para quem não conhece a Capital, é uma estrada com piso de alcatrão que une o aeroporto a Monsanto e passa, no seu traçado, à beira dos estádios dos dois emblemas em causa.
Factos são factos e, nestas últimas quatro temporadas, o Sporting foi sempre o vencedor do campeonato da Segunda Circular, tendo festejado rijamente os títulos conquistados sobre o rival do outro lado da rua. O caso não era para menos. Foram quatro segundos lugares de seguida para o Sporting, sempre atrás do FC Porto, o que não teve importância alguma, mas sempre, sempre à frente do Benfica, o que é um feito, uma alegria, enfim, um orgulho merecedor de todos os encómios.
E para provar que a ingratidão não é um sentimento de que se faça uso em público, foram muitos os altamente qualificados sportinguistas, presentes em tribunas de opinião, que se mostraram contristados com as campanhas que haveriam de levar à demissão Paulo Bento. E, com muita garra, não se coibiram de fazer lembrar aos seus desmemoriados consócios de Alvalade que fora o mesmo Paulo Bento o treinador do tão celebrado tetra-segundo-lugar. Mas não lhes valeu de nada.
Para variar, este ano não há campeonato da Segunda Circular. Foi-se tornando matematicamente difícil com o andar das respectivas carruagens. E, neste momento, quando apenas faltam cinco jornadas para o fim do campeonato português (no seu todo), a coisa tornou-se matematicamente impossível porque o Benfica tem 23 pontos de avanço sobre o Sporting que se vê, assim, impossibilitado de conquistar o penta da Segunda Circular, a tal estrada de alcatrão que une o aeroporto a Monsanto.
Ao contrário do Sporting, que ficou satisfeito com os segundos lugares à frente do Benfica nos últimos quatro campeonatos, o Benfica, pelo que se depreende, não ficará nada satisfeito se ficar classificado, neste campeonato, em segundo lugar à frente do Sporting e à frente do FC Porto. Com o devido respeito pelas ambições de cada qual, tratam-se, no fundo, de culturas diferentes.
Até o Sporting de Braga, o inesperado contendor de 2009/2010, não ficará totalmente satisfeito se chegar ao fim da prova em segundo lugar à frente do Sporting e do FC Porto. É certo que receberá um bónus apetitoso: a possibilidade de discutir a entrada na Liga dos Campeões mas, só isso, é pouco para quem protagonizou, com mérito, um arranque de campeonato absolutamente feroz e que, mais tarde na competição, foi visto e acarinhado pelos outros concorrentes históricos (mas pouco inspirados) como uma possível tábua de salvação alheia para as agruras dos próprios.
Curiosamente, a coisa ficou agora fora de controlo. O Sporting de Braga já não joga aquilo que jogou no início do campeonato, está mesmo muito longe desses primeiros fulgores, foi até banalizado por um FC Porto que tem sido pouco mais do que banal, mas continua vibrante a discutir o título com o Benfica e a discutir a Liga dos Campeões com o FC Porto e é esta, precisamente, a parte que não constava do programa.
O FC Porto para ir buscar o dinheiro da Liga dos Campeões precisa que o Sporting de Braga perca pontos mas se o Braga perder pontos o Benfica caminhará para o título de campeão. Que ninguém duvide de que esta situação se apresenta extraordinariamente confusa. E tem tido reflexos práticos noutros agentes do futebol como, por exemplo, os árbitros que, por serem humanos, também são sujeitos a estados de confusão. É que, literalmente, não sabem para que lado se devem virar…
A altamente confusa arbitragem de Artur Soares Dias, do Porto, no último Sporting de Braga-Vitória de Guimarães, é disso mesmo o exemplo mais fulgurante.
Para se manter na luta directa com o Benfica, o Sporting de Braga usufruiu de uns empurrõezinhos simpáticos que lhe caíram do céu. Golos marcados com a bola fora das quatro linhas, decisões nada hostis nos dois jogos com o Benfica mas o que sucedeu no último derby minhoto, realmente, nunca tinha sido visto em Portugal.
Presume-se que continue a dar que falar até que o campeonato esteja matematicamente resolvido esta tendência em ziguezague que tanto beneficia os que não suportam a ideia de ver o Benfica campeão como, logo no ziguezague seguinte, beneficia os que, mal por mal, preferem ver o Braga campeão ao FC Porto na Liga dos Campeões.
O professor Jesualdo Ferreira, por exemplo, falou logo no assunto assim que acabou o jogo do FC Porto com o Marítimo.
No entanto, Jesualdo Ferreira, por muito que se tenha esforçado — e como se esforçou! — para ser um portista à séria, na verdade não é nem nunca foi semelhante coisa. E só esse facto explica os protestos do actual treinador do FC Porto contra a arbitragem de Artur Soares Dias em Braga.
Porque um portista a sério, de gema, nascido bem lá no cimo, no sótão da Torre dos Clérigos está-se perfeitamente nas tintas para a Liga dos Campeões de 2010/2011 desde que tenha o consolo de ver o Benfica perder o campeonato.
Compreende-se. Se fosse ao contrário era exactamente a mesma coisa. Os adeptos pouco ligam às finanças dos seus clubes, estão mais interessados em futebol. Os verdadeiros adeptos de qualquer clube não querem saber de passivos, de activos, de balancetes, de cálculos de gestão porque essas coisas do dinheiro não lhes interessam minimamente. Estão ali por amor, não por interesse.
Há sempre, no entanto, adeptos especiais. Picuinhas que parecem mais interessados nas contas dos euros do que nas contas dos pontos com que se ganham e perdem campeonatos. Alexandre Magalhães, o antigo vice-presidente do FC Porto, actualmente desavindo com o presidente do clube, é um desses adeptos típicos que tantos incómodos dão às direcções dos clubes e das SAD.
Imagine-se só que Alexandre Magalhães em vez de andar a falar sobre túneis, como compete a um bom adepto, desatou a falar sobre coisas completamente diferentes. E, ontem mesmo, atreveu-se a ir a Tribunal para declarar que, pelas suas contas, o presidente do FC Porto auferiu, em 2004/2005, um rendimento mensal entre os 33 mil e os 52 mil euros.
De certeza que Alexandre Magalhães faz parte daquela imensa maioria de portistas anónimos, convictos e desinteressados em coisas materiais que até prefere que o FC Porto não vá à Liga dos Campeões, desde que o Benfica não seja campeão.
Mas também haverá, pois com certeza, quem pense de maneira diferente.
JDM: Discutir ideias será sempre um bom princípio!
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