A terceira, e quanto a mim, grande figura do título: o treinador Jorge Jesus. Com uma carreira modesta como jogador, trabalhou 20 anos em projectos de dimensão menor como treinador, para chegar finalmente ao grande desafio da sua vida: despertar o Benfica. Aceitou o desafio dos desafios sem medo da história desfavorável aos treinadores portugueses, sem medo do peso do clube, da inércia de anos sem vencer e sem convencer, da grande animosidade que o clube enfrentava depois de duas épocas especialmente frustrantes.
Chegou e traçou as linhas para a época. Na apresentação e nas palavras que concedeu à comunicação social nos dias seguintes, definiu metas exibicionais, objectivos competitivos, disse que montaria a equipa à volta de um Aimar a jogar finalmente a 10, aproveitando o artilheiro da equipa, Cardozo. Ideias claras, ambiciosas, com um discurso empolgante, transparente e simplista. Um homem do povo, um treinador que subiu a pulso no futebol português com a persistência e a competência do seu trabalho.
Jorge Jesus foi o grande salvador do Benfica no século XXI. O Benfica fez uma espécie de all-in nas últimas temporadas, gastando o que tinha e o que não tinha para alcançar, finalmente, o domínio no futebol português. Um novo fracasso poderia ter consequências desastrosas na moral dos adeptos e nas debilitadas finanças da SAD, provavelmente feridas de morte com esse cenário. Jesus permitiu uma mobilização sem paralelo nas últimas duas décadas em torno da equipa, com as receitas de bilheteira e merchandising a subirem de forma desenfreada ao longo da época. Permitiu a valorização de activos que poderão permitir à SAD o desafogo financeiro que procurou com a alavancagem financeira promovida nos últimos anos.
O treinador português aproveitou a dimensão do Benfica, nas suas várias vertentes, para construir um projecto ganhador. Aproveitou recursos humanos do departamento de futebol para impor regras claras de funcionamento e de trabalho, soube tirar partido do excelente Laboratório de Optimização do Rendimento Desportivo, focou as pessoas de toda a estrutura apenas e só na equipa. Chamou os sócios e os adeptos, que compareceram com uma força impressionante de Norte a Sul do país, que compraram um número sem igual de lugares cativos no Estádio da Luz, que gritaram até à exaustão pela equipa. Beneficiou dos instrumentos financeiros postos à disposição para reforçar a equipa de forma cirúrgica em alguns casos onde faltavam claramente soluções para o onze titular (Javi Garcia e Saviola são o maior exemplo disto), e apostou em jogadores seus conhecidos para soluções alternativas que se comprovaram bem úteis (Weldon e Peixoto, por exemplo).
A táctica, o sistema de jogo, foi à Benfica. Privilegiando o domínio total das partidas, tentando sempre mostrar que o grande candidato aos três pontos em cada jogo se chamava Benfica. Mesmo em jogos menos conseguidos, essa marca esteve lá. Em Braga, no Dragão ou mesmo em Liverpool, onde o Benfica dominou de forma esmagadora o jogo até consentir o primeiro golo dos homens de Anfield Road.
A grande hesitação da temporada foram as faixas laterais, fruto da falta de soluções à esquerda sobretudo. Peixoto mostrou ser uma opção segura, de um jogador com muita tarimba ao mais alto nível, mas claramente insuficiente para titular indiscutível. Inventou por isso Coentrão, num processo idêntico à migração de Miguel de extremo para lateral direito com Chalana, há uns anos atrás. Na direita, apostou claramente em Maxi, mas não teve problemas em colocar Ruben Amorim nessa posição quando foi necessário, por questões de rotação do plantel, por ausência do uruguaio ou simplesmente para compensar baixas de forma do titular.
Construiu uma dupla de centrais do melhor que se viu no Benfica em muitos anos. A experiência, a classe, a liderança de Luisão, e a irreverência, a capacidade física e o brilhantismo de David Luiz, muito mais que um central. Em ligação estreita com o trinco que Jesus elegeu para sustentar todo o processo ofensivo da equipa (Javi Garcia), formou um triângulo defensivo no qual o Benfica se baseou para atacar de forma exuberante as equipas adversárias. À sua frente, a assimetria táctica deste sistema. Um flanco mais conservador, mais "certinho", mais disponível para equilibrar defensivamente a equipa se necessário fosse. Aí brilharam Ramires e Amorim sobretudo. À esquerda, com permissão para desequilibrar como se não houvesse amanhã, um Di Maria lapidado de forma exímia por Jesus, sendo a força inesgotável da equipa mesmo quando as pernas dos colegas fraquejaram.
Cumpriu a promessa de jogar com um 10 clássico, e assim aproveitou o talento e a classe de Aimar. Uma posição que ganhava contornos diferentes quando a opção era Carlos Martins, mais aguerrido e intenso. Para auxiliar Cardozo, claramente definido como a referência de ataque que o Benfica precisava para visar com mais eficácia a baliza adversária, Jesus e a direcção encontraram no Real Madrid o genialíssimo Saviola por apenas 5M€. Bem integrado na dinâmica da equipa, foi fundamental nos apoios frontais, nas linhas de passe que abriu, nos desequilíbrios posicionais que conseguiu com as derivações para os flancos.
Jesus definiu claramente uma matriz de jogo, uma ideia, uma filosofia. Manteve-a de princípio a fim, sem abdicar no entanto de pequenas adaptações (sobretudo de dinâmica) em alguns desafios mais complicados. Esta lealdade ao seu sistema ficou comprovada no Benfica - Porto, onde o Benfica surgiu muito desfalcado. Nem assim Jesus abdicou dos seus princípios, dando antes confiança e motivação ao jovem Urreta para assumir a titularidade na esquerda, ele que até aí tinha passado completamente ao lado da época.
A convicção nas suas ideias, a transparência na sua relação com a equipa, a direcção e os adeptos, a ambição e a garra fazem de Jorge Jesus um dos mais amados treinadores de sempre do nosso clube. Tem agora uma missão tão complicada como a que teve quando chegou. Manter esta equipa no topo, mesmo com as eventuais saídas de peças chave que se adivinham no defeso. E fazê-la evoluir para outro patamar, para um patamar capaz de encarar o desafio da Liga dos Campeões olhos nos olhos. Vai precisar de preparar modelos alternativos de jogo, mais cínicos e de contenção. Ao fim e ao cabo, abordagens ao jogo parecidas com a que apresentou no Everton - Benfica, onde o Benfica fez uma exibição deslumbrante mesmo na primeira parte, em que claramente jogou mais em contenção, mais preocupado sobretudo em ter a posse da bola, e menos em arriscar. É esta abordagem que precisa de ser aprofundada, pois será fundamental para os êxitos futuros. Foi só isso que faltou este ano para se poder considerar uma época tacticamente perfeita. Assim se explicam por exemplo os desaires em Braga ou no Porto.
O grande comprometimento e paixão que demonstra pelo clube, garante-nos a nós todos igual capacidade de trabalho e dedicação nas próximas épocas. Que a sorte o continue a acompanhar, que a competência não o deixe e que fique connosco muitos anos. Seria muito bom sinal. Para ele, e para o Benfica.
Obrigado, Jesus!
0 comentários:
Enviar um comentário