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domingo, 21 de outubro de 2012

As finanças do Benfica

Existem vários Benfiquistas competentes na área de Gestão.

O Pedro é um deles que tenho o prazer de poder ouvir explicar a situação actual do Benfica. É dele o artigo que vos deixo aqui. 
 A pergunta foi simples. Pedro, qual é o problema imediato do Benfica no que respeita às Finanças.

Olha amigo, disse ele, a minha visão é a seguinte:


O problema das finanças do Benfica assenta em 2 questões simples:
1. Custos com o pessoal ,
2. Custos financeiros.
A questão dos custos com o pessoal não é uma questão fácil de abordar publicamente, porque o que causou este problema foi, maioritariamente, a contratação de jogadores, com elevado estatuto, que ganham demais para a realidade portuguesa e não é fácil de abordar porque para se falar nisto sem desvios, um dos nomes em que tem de se falar é em Aimar que é adorado por todos nós, mas que em termos financeiros é um desastre, e que no final do contrato terá custado qualquer coisa como 20 milhões de euros (custo da contratação + gastos com os salários), sendo este um valor estimado por baixo porque basta que ele ganhe 1,5 milhões limpos anuais para o custo total ser superior a este, e ele obviamente não deu retorno nesse montante. 
É claro que termos mais de 90 jogadores com contrato cria problemas nesta área e se esse número for reduzido dará para reduzir um pouco da massa salarial, mas para regressar ao nível que devia (35 milhões no máximo) é preciso cortar nas "estrelas" e isso no curto prazo, provavelmente, origina perda de competitividade, porque a contratação de "miúdos" de qualidade tem um grau de incerteza muito superior apesar de ser muito benéfico financeiramente - sem ter dados, imagino que Di Maria, David Luiz e Fábio Coentrão juntos, quando começaram a evidenciar qualidade ganhassem menos que o Aimar e cada 1 deles era muito mais importante para a equipa - e por isso, leva alguns anos até se conseguir jogadores de qualidade deste tipo suficientes para formar uma grande equipa.
 
Voltando ao número de jogadores, esta questão quanto a mim tem maior importância quando se fala nos custos financeiros. Todos os jogadores que o Benfica tem sob contrato tiveram um custo inicial - incluindo os que saem da formação porque a esses, para se fazer uma análise a sério, devem ser imputados os gastos com a formação e quanto a mim devem ser pensados esses gastos duma forma simples, pega-se em todos os gastos que o Benfica teve num ano e imputa-se ao número de jogadores que ficaram com contrato (Ex: se num determinado ano só 1 jogador da formação ficar sob contrato e toda a formação tiver custado 1 milhão de euros ao Benfica durante esse ano, deve ser considerado, não em termos contabilísticos, mas para uma análise às contas, que esse jogador custou 1 milhão de euros ao clube) - e é esse custo que origina os gastos financeiros.

Esta parte pode não ser muito fácil de perceber, por isso vou usar um exemplo inventado para se perceber melhor. Imagina que o Benfica nos últimos 5 anos teve um prejuízo de 10 milhões com as camadas jovens e neste momento tem 10 jogadores saídos das camadas jovens com contrato, sem ter vendido nenhum jogador das camadas jovens durante estes 5 anos. Consideremos que entre estes 10 jogadores até há 2/3 que são bons mas estão emprestados por termos muito mais jogadores do que são necessários para a nossa actividade, ora estes jogadores não só têm um custo de 10 milhões de euros, não recuperado para já, como ainda têm os custos inerentes ao financiamento desses 10 milhões de euros e esta é a parte que a maior parte das pessoas não percebe que é um problema, porque uma parte daqueles jogadores até está a valorizar mas o facto de não serem vendidos está a fazer aumentar o seu custo e se fossem só 10 jogadores, 10 milhões, não haveria grande problema (seriam uns 600/700 mil euros ano), só que como sabemos não são. Quanto dinheiro faria o Benfica se vendesse todos os jogadores que estão emprestados? Quanto é que essas vendas fariam descer os custos financeiros do Benfica? Agora é multiplicar esse valor, pelo número de anos em que esta política é seguida pelo Benfica e chegamos a um valor brutal de custos financeiros em jogadores que não fazem parte do plantel do Benfica.
 
Outro exemplo, desta vez concreto para ver se me explico melhor. O Jara quando foi contratado custou 5 milhões (mais qualquer coisa, mas não interessa muito) e agora, porque entendemos ter contratado melhor, foi emprestado. Estes 5 milhões custam ao Benfica todos os anos 300/350 mil euros, se o Benfica não recuperar este dinheiro (é mais difícil vendê-lo se ele não jogar pelo Benfica), estes 300 mil euros serão um custo anual do Benfica para sempre (enquanto o Benfica tiver dívidas financeiras), sem que o Benfica tenha obtido retorno por outras formas que compense este custo.
Não acho que o que escrevi atrás tenha ficado muito perceptível, por isso, muito basicamente, o que o Benfica tem de fazer para voltar a ter finanças saudáveis e poder voltar a crescer sustentavelmente é fazer um forte desinvestimento (vender jogadores e não comprar jogadores sem "certeza" dos vender por mais daí a 1/2 anos, de forma a que tenha cash-flows positivos e pague dívida) que não ponha em causa a presença na Champions (temos muitos graus para descer até ficar ao nível de Braga e sporting) e depois voltar à política que era seguida há 5 anos atrás. Eu sempre gostei do que vinham a fazer até 2008, altura em que tínhamos resultados positivos, com gastos do pessoal a rondar os 30 milhões e financeiros 1/3 de agora e já tínhamos jogadores como Maxi-Luisão-David Luiz - Fábio Coentrão - Manuel Fernandes Di Maria - Cardozo e podíamos ainda tê-los todos com mais alguns de igual valia ou outros igualmente bons, porque como o Benfica dava lucro, não éramos obrigados a vender e ainda tínhamos capacidade para investir em outros jogadores do género.
 
Senão tivéssemos tido pressa de ganhar, acredito que o Benfica neste momento já estaria a ganhar e duma forma sustentável, ou seja, duma forma que seria difícil os adversários contrariarem, só que quando se investe muito em jogadores como Reyes, Suazo, Aimar, Saviola, que em termos financeiros não conseguem compensar os custos que originaram, isso é uma bola de neve, porque, como referi atrás, esses custos, originam também um aumento dos custos financeiros "ad eternum".
Na época do Quique demos 2/3 passos à frente para tentar ganhar rapidamente, agora teremos de dar 4/5 atrás para podermos aspirar a ganhar de forma continuada e sustentável (pelo menos num campeonato nivelado por cima, porque basta sermos melhores que os outros para ganhar e as contas do FCP e SCP  hoje,  são muito preocupantes para aqueles lados).
 Era bom que as contas saíssem para se poder confirmar o que dizem os dirigentes da actual direcção, porque eu, por exemplo, não acredito que o passivo financeiro seja de 237 milhões de euros no final do último exercício e se for é porque arranjaram uma maneira de arranjar as contas, já que a média do ano foi muito superior a esse valor, já que um valor médio dessa ordem implicaria uma taxa de juro média a rondar os 8,5%, sendo esse valor surreal, até porque uma parte do passivo financeiro (como já aqui se disse) é boa, que é o passivo relacionado com o Estádio e que está financiado a taxas muito baixas e não houve nada nos últimos meses do último exercício que permitisse uma redução tão elevada do passivo financeiro.
 
Em relação aos jogadores emprestados não custarem 1 cêntimo, têm pelo menos o custo de oportunidade de não os vender e o acréscimo de custos financeiros que isso acarreta, logo só se pode dizer que não custam 1 cêntimo numa visão muito simplista do assunto.
     Por último, espero que não estejam dispostos a aceitar taxas de juro brutais para cumprir esta promessa de que em Janeiro não será preciso vender jogadores, porque nos próximos 6 meses vencem 90 milhões em empréstimos obrigacionistas e não estou a ver que se estes valores forem financiados por outros meios, as taxas possam ser razoáveis e neste momento não há forma de saber se os empréstimos obrigacionistas serão aceites pelas pessoas, logo só pode ter essa garantia se já tiver financiado com bancos que emprestem os 90 ou, pelo menos, os 40 milhões do empréstimo obrigacionista público.

   É verdade que recebemos valores por alguns empréstimos, mas nas contas esses valores "não se vêem" ou seja, não me parece que as largas centenas de milhares de euros que costumam vir nos jornais sejam o que realmente se transforma em proveito do Benfica (por exemplo o Jara, era necessário que fossem mesmo os 350 mil euros que se fala, para compensar o custo financeiro decorrente da sua contratação) e também haverá muitos jogadores aos quais somos nós que pagamos os ordenados (no ano passado aos que estavam em Leiria é um facto, este ano não acredito que, por exemplo, seja o Olhanense a suportar os encargos do Fernandez). Não acredito que estas contas dêem saldo 0 ou positivo para o Benfica, mas era bom que os nossos dirigentes esclarecessem estes assuntos para que estas dúvidas não pudessem ser suscitadas.

Não percebo o que queres dizer por "porque é que o passivo não consolidado
não interessa "aos benfiquistas"?".

Eu não faço juízos em relação ao passivo total, já disse diversas vezes que é assunto que não me interessa e por isso também não sei qual era o valor do ano passado, porque é muito fácil de meter lá o valor que o contabilista quiser (exemplo simples, em vez de ter 1 conta do Real Madrid como cliente e outra como fornecedor, meter só 1 como cliente e os valores que lhes devemos creditarem o activo, isto apesar de não ser correcto, não é ilegal e faz com que o passivo baixe).

Em relação ao passivo que origina encargos financeiros, não vejo como possam ter reduzido (de forma real e não
contabilista) o passivo financeiro para os 237M€, quando nos últimos meses do exercício não houve vendas nem nada de especial que permitisse uma redução do género, mas só com as contas cá fora se pode ver o que foi feito para poderem dizer esse valor.
 
Já sabes, o que disse aqui atrás é a minha análise pessoal, nada disto é assente em "livros", há muitas formas de chegar a um resultado positivo e certamente verás muitas opiniões a dizer que o que interessa é fazer tudo para ganhar porque só aumentando os proveitos é que se paga a dívida e se pode assim reduzir os custos insustentáveis de financiamento, mas a minha visão é mais parecida com a do Vítor Gaspar (talvez não tão radical) e acho que sem baixar os custos drasticamente, não haverá condições para crescer de forma sustentada. 
Abraço 


Pedro Rodrigues, é sócio do Benfica, licenciado em Gestão pelo ISCTE-IUL, trabalha na área de contabilidade e auditorias, e está neste momento a finalizar o Mestrado em Gestão de Serviços e da Tecnologia no ISCTE.

3 comentários:

Há algumas coisas que gostaria de acrescentar.

1) Concordo que temos de diminuir os custos operacionais. Sendo os ordenados e os custos financeiros as 2 maiores rubricas, é natural que seja aí que se possa cortar a maior fatia. Não tem nada que saber.

2) Não acho que os 8,5% de juros que pagamos pelo passivo financeiro, que é de facto 237M€ ao contrário do que afirma, sejam exagerados. Basta lembrar que os empréstimos obrigacionistas, que são uma parte substancial do passivo financeiro, estão feitos a 6%. Pelo que diz o DSO, ele sabe e com certeza que não está a mentir, neste momento, a totalidade do passivo consolidado serão 357M€ (237+119).

3) Prefiro olhar para os RESULTADOS financeiros que não são 22M€ mas andarão à volta de 15M€. Se colocarmos estes 15M€ em relação ao TOTAL do passivo consolidado (357M€) os juros andarão pelos 4,5% o que, sejamos sinceros são uns juros relativamente baixos. O que mostra que a gestão financeira está a ser muito bem feita.

3) Não acredito que se o Benfica quiser fazer o "roll-over" dos empréstimos obrigacionistas tenha dificuldade em fazê-lo, ou que o mercado os não absorva. Quando os antigos empréstimos foram feitos houve um rácio procura/oferta de 2 ou 3 vezes, se não estou errado. Não acredito que o mercado tenha perdido a confiança no Benfica para que o "roll-over" não pudesse ser feito. Tudo depende dos juros. Provavelmente já não conseguiríamos os 6%, ou talvez consigamos, não tenho a certeza.

4) Os jogadores emprestados, para além de se estarem a formar e a fazer crescer as suas competências profissionais em campeonatos interessantes, são activos que teoricamente se estão a valorizar em "barrigas de aluguer", nada custam ao clube. Alguns desses empréstimos rendem dinheiro pago pelos clubes que os estão a formar. Fizemos cerca de 12M€ este verão com a totalidade desses empréstimos e vendas de alguns desses jogadores excedentários. Isso dava para pagar a quase totalidade dos resultado financeiros.

5) Dizer que alguns dos jogadores que temos emprestados, como o Jara, custaram e continuam a custar dinheiro devido aos juros que temos de pagar pelo seu passe, estará correcto, em teoria. No entanto o Jara, como o Sidnei, ainda são activos que ainda não foram vendidos. O dinheiro do empréstimo do Jara mais do que paga os juros que eventualmente custe, se os quiser alocar como descreve, embora eu o não fizesse. Para além disso ainda não foi vendido pelo que podemos facilmente recuperar, se não todo, pelo menos uma parte substancial do investimento. Um negócio só acaba quando o bem tiver saído do activo da empresa.

6) Alocar o passivo financeiro à compra de jogadores na minha opinião não está correcto, esse passivo foi uma consequência directa dos investimentos feitos no estádio e "surroundings", Centro Seixal, Museu, etc. Pela mesma ordem de ideias, porque não alocar o passivo não remunerado à compra de jogadores?

7) Os resultados de uma empresa têm dois componentes: o numerador e o denominador. Por isso, não nos podemos concentrar apenas no corte de custos mas, mais importante, tentar aumentar os proveitos. Cortar custos é fácil, qualquer pessoa o sabe fazer, encontrar novas fontes de receitas requer uma dose maior de imaginação, conhecimento e de visão. É aí que se vê a verdadeira qualidade da gestão.

É aí que existe, na minha modesta opinião, espaço para fazer crescer os resultados da empresa. Os direitos dos media, o naming do estádio, a renovação de alguns contratos de sponsorização por quantias superiores, a internacionalização da marca, etc., em tudo isso o Benfica, ao contrário dos nossos concorrentes internos, tem uma grande capacidade para crescer.

Dizia Gunnar Engellau, ex-administrador da Volvo:

"Um gestor de empresa quando diz que acerta 7 vezes em dez é muito bom; quando diz que acerta 8 vezes em dez é um génio; quando diz que acerta 9 vezes em dez é um mentiroso".




Os comentários a este post serão feitos pelo autor. A ausência dele hoje por motivos profissionais, não invalida que quem queira deixe os comentários, porque certamente ele responderá amanhã.

Cumprimentos

Dou os meus parabéns ao autor e agradeço ao blog a exposição da análise.

Concordo com quase tudo, discordo com algumas perspectivas.

Desconheço a evolução real recente do passivo financeiro, mas há (havia) algum espaço para reduções consideráveis: parece-me que algumas vendas de exercícios anteriores foram recebidas por esquemas de factoring pelo que, se os clientes entretanto pagaram anulou-se o passivo correspondente - não estou a dizer que aconteceu, estou a dizer que há essa possibilidade.

Quanto ao refinanciamento dos empréstimos de curto prazo, designadamente os obrigacionistas, é matéria para reflexão.

Penso que seja pouco prudente admitir um passivo de curto prazo na ordem dos 100 M€. A exposição ao risco assume proporções que para mim são incomportáveis. Em anteriores relatórios DSO declarou haver margem de negociação, em condições favoráveis, para o refinanciamento. Acredito que exista - em Julho de 2011 o sporting refinanciou um empréstimo obrigacionista, por 3 anos,a uma taxa de 9,25%. Ora o sporting não tem receitas operacionais, sequer, para cobrir os custos com pessoal, logo a taxa a aplicar ao Benfica seria, em condições normais, menor - acredito em algo em redor dos 8%. Mas como disse penso que o Benfica tem que remover do balanço boa parte deste passivo de curto prazo, porquanto a rentabilidade do activo está, nesta conjuntura, bastante ameaçada.

No entanto esta é a realidade das contas. Há outra realidade que também tem tendência a impor-se. Diz o Pedro que apreciava a gestão seguida até 2008 e que se essa via tivesse prosseguido estaríamos hoje em melhor posição para obter o sucesso de forma sustentada. Talvez. Se apenas considerarmos as contas, seguramente. Mas temos que olhar para fora, mais concretamente para o porto. Em 2008 o porto seguia alegremente no domínio completo e avassalador do futebol nacional, com rendimentos de vendas de jogadores que o transportariam para uma dimensão brevemente inalcansável. Um dilema para a gestão na Luz: seguir o rumo traçado e assentar tudo na sustentabilidade, ou investir e tentar travar a hegemonia portista? é claro que no limiar de eleições esta decisão está facilitada, mas LFV nunca colherá, da minha parte, qualquer crítica sobre a opção que tomou. Era ali, naquele momento, que se jogava o futuro do Benfica. Seguindo a via que tinha até ali tomaria uma posição segura, de hegemonia sobre sportings e bragas, mas sempre abaixo do porto, podendo alcançá-lo apenas se pc cometesse erros graves. Tomou-se risco, mas independentemente do escasso sucesso desportivo alcançou-se o objectivo principal, travar o porto.

Na minha opinião Gaspar também segue uma via errada. A aposta na consolidação orçamental baseia-se, acima de tudo, na redução do serviço da dívida futura, permitindo um equilíbrio fiscal com impostos mais baixos. Faz sentido. O problema é que não conta com a outra realidade que se impõe. Marginaliza Keynes e a célebre frase "no longo prazo estamos todos mortos". O verdadeiro alcance desta frase reside na velocidade de ajustamento da economia. No longo prazo a receita de Gaspar é correcta, com a economia a ajustar-se correctamente. O problema é que os ajustamentos não são imediatos, e no curto prazo a receita traz desemprego a nível incomportável e aumento da despesa e consequentemente da dívida, obrigando a aumentar impostos e pondo em causa os benefícios de longo prazo. Perdoem-me este último devaneio.

Cumprimentos

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