Ultrapassados pela realidade

A nação Benfiquista este ano, ainda anda a tentar compreender o que lhe aconteceu. Confesso que tenho estado completamente em choque com o rumo que esta época tem levado, e que começou a seguir logo muito cedo, conforme fui aqui dizendo. Sobranceria, negócios discutíveis, muito dinheiro gasto e nenhum efectivo reforço da nossa capacidade competitiva, a que se somavam estranhas atitudes em campo de jogadores e treinador, não auguravam nada de bom, mesmo na fase das goleadas da pré-época.


Depois do jogo de ontem, o drama não podia ser maior. Nunca o Benfica somou três derrotas nas primeiras quatro jornadas do campeonato, e somando à derrota na Supertaça, vamos com quatro derrotas em cinco jogos oficiais... por aqui se vê que esta época está a ser trágica, e promete não se ficar por aqui. Ontem em Guimarães não há muito para falar de futebol, embora se tenham visto novamente deficiências evidentes na forma de actuar da equipa. Mas aquilo que se viu em Guimarães é apenas mais um campo em que o Benfica foi completamente ultrapassado pela realidade. Com ou sem consciência disso, é a questão.


Olegário Benquerença foi a jogo com um serviço totalmente encomendado. Não há qualquer dúvida, e as palavras não podem ser outras. Por duas vezes os assistentes anularam duas jogadas de golo do Benfica, em lances exactamente iguais ao que deu o 1-0 para o Vitória local, mas aí já com benefício da dúvida para o ataque. Vimos David Luiz e Martins por exemplo levarem amarelos sem sequer cometerem falta, e do outro lado duas bárbaras faltas sobre Coentrão passaram impunes. Javi Garcia foi amarelado por uma conversa cordial e amigável com o assistente, e Cardozo viu-lhe ser aplicada a mesma sanção por ter rematado uma bola para a baliza um segundo depois do apito do árbitro. Luisão foi amarelado por protestar de uma das entradas sofridas por Coentrão, sem sanção. Que dizer de tudo isto?


Cereja no topo do bolo: dois penalties dos mais evidentes dos últimos anos, a passarem em claro. Foi a nota artística de Benquerença.


Os dirigentes do Benfica são grandes culpados por continuarmos, todos estes anos após, a lutar com armas desiguais. Não defendo que se tente chegar às mesmas armas de outros, mas sim a deitar as deles abaixo. Em dez anos de presença no Benfica, além de discursos pontuais como o de ontem em alturas-limite, não têm havido acções concretas da maior instituição portuguesa para por cobro a este estado de coisas no futebol português. Temos de perceber que a inacção do nosso clube tem a sua quota parte de responsabilidades neste estado de coisas que é permitido num país sem lei e sem dignidade. Há culpados por acção noutros clubes, há culpados por omissão no nosso.


Há muita gente ultrapassada pela realidade. Se já escrevi anteriormente sobre as questões futebolísticas, onde de Rui Costa a Jesus, passando por vários jogadores, há muito quem pareça completamente surpreendido com o estado de coisas e sem conseguir sequer esboçar uma reacção. Mas no que toca ao topo do futebol nacional, mais confuso fico... por não saber se também há surpresa, ou se há conivência.

• A Federação Portuguesa de Futebol tem sido um dos garantes de que o actual status quo se mantém. Tem pouco poder, o pouco que tem é o do patético Conselho de Justiça, ainda recentemente desautorizado pela ADoP. A mudança de paradigma através de estatutos que estejam de acordo com a lei pode ser decisiva para retirar da máfia clubística o poder do futebol português. Mas aqui o que fez o Benfica na pessoa do seu presidente? Atacou o secretário de Estado, que por muito palhaço que seja (e é!), é a única pessoa que tem tentado e que pode obrigar a Federação a adoptar estatutos diferentes. Isto faz algum sentido? Qual o interesse de defender o actual status quo afinal de contas?
• A Olivedesportos é de há muito a esta parte o garante de todo o sistema. Vale e Azevedo percebeu isso, e rompeu com eles. Os tribunais deram-lhe razão, mas Vilarinho voltou atrás e assegurou mais de uma década de poder a Joaquim Oliveira. Não sejamos parvos novamente, e aprendamos uma das únicas boas lições que Vale e Azevedo deixou no Benfica. Voltar a entregar os direitos de TV à Olivedesportos, ainda que outras empresas possam não oferecer tanto, é um erro estratégico brutal e que perenizará de vez a podridão instalada.
• De que servem declarações de circunstância contra elementos da Liga, se nos momentos chave o presidente dá a cara por eles, apoia-os publicamente e põe o nome do Benfica em destaque na lista de apoiantes? Quem anda a defender Madaíl, Queiroz, quem acha que Valentim Loureiro é honesto? Sou eu?

Este é o momento para começarem a ser tomadas medidas que afectem o coração do sistema. Não podemos dar mais abébias, e os dirigentes do Benfica têm de acordar. Não consigo compreender como, com tudo à vista, têm "dormido" sempre com o sistema, apenas acordando pontualmente para falar aos microfones. Mas falar não chega, é preciso agir, e é preciso romper com tudo isto.


Romper com os financiadores de tudo isto. Romper com empresários que gravitam no futebol, que ganham algum dinheiro connosco mas que na hora decisiva nos voltam as costas e são os primeiros a fornecer armas ilegais a nossos concorrentes. É hora de romper com a estrutura organizacional do futebol. Exigir uma Federação mais limpa, tratar de uma candidatura séria de alguém nosso aquele organismo. É altura de boicotar tudo na liga... até medidas justas que sejam propostas, só para ter sempre caos e polémica nas reuniões e assembleias-gerais. Não comparecer a eventos da Liga, normalmente destinados a promover patrocinadores. Não se fazer representar na tribuna de estádios alheios. Boicotar toda a imprensa que não diga o que nós queremos (não se trata de boicotar só a que é parcial contra nós... é mesmo toda a que não diga o que nos agrade!). Há centenas de medidas que podem ser tomadas, que arrastarão o futebol português para o caos, para a anarquia, que semeiem o pânico e a confusão nas pessoas que ainda há 10 anos estavam que nem baratas tontas a perceber o que lhes tinha acontecido e o que lhes ia acontecer sem o contrato dos direitos de TV do Benfica.


Já chega de sermos nós os ultrapassados pela realidade. É hora de provocarmos algo que ultrapasse toda esta teia de influências e de crime que o futebol português sustenta. Não admito mais conversa fiada sem acções. Se a direcção do Benfica é realmente composta por Benfiquistas que sofrem como qualquer um de nós com o clube, não poderão mais ignorar coisas vitais como a absoluta necessidade de não renovar com a Olivedesportos.


Nós, sócios, devíamos começar também a fazer pressão para algumas destas coisas passarem à prática. É hora de tocar a reunir. A direcção tem que dar o primeiro passo. Um objectivo claro, com medidas claras, com o envolvimento dos adeptos na questão a ser também transparente para todos, e tenho a certeza que adeptos e sócios acompanharão a direcção do seu clube nesta "intifada" contra o Sistema. Mas se, por outro lado, não virmos acção para quebrar definitivamente com este estado de coisas, vamos ter de exigir mudança também cá dentro. Expurgar males interiores para atacares males exteriores é inevitável, se os houver.

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