A chama imensa
Misteriosos desaparecimentos
Por Ricardo Araújo Pereira
(…) só há duas coisas que eu odeio, quando se referem a mim: que me tirem o Miguel do nome e que me ponham a dizer uma palavra que eu nunca uso: «algo»
(…) reconfortando-se ao encontrarem-se uns aos outros na missa algo despovoada desse domingo na vila
(…) eu atravessaria a rua como se flutuasse dentro de um sonho ou de um pesadelo, algo de irremediável se teria então quebrado para sempre
Miguel Sousa Tavares
E, de repente, deixou de se falar no túnel da Luz. Confesso que estou preocupado. Talvez valesse a pena as autoridades competentes lançarem o alerta do costume: «Desapareceu das colunas de opinião o túnel da Luz. Da última vez que foi visto usava uma estrutura de metal coberta por uma lona branca com a marca dos pitons do Fernando. Se alguém possuir informações que nos possam levar ao seu paradeiro, por favor contacte a Polícia de Segurança Pública.» O mais chocante neste desaparecimento é o facto de serem precisamente as mesmas pessoas que mais lembraram o túnel da Luz aquelas que agora o esquecem. Foram meses de análises, lamentos, acusações, queixinhas, vigílias, comunicados — tudo em nome do túnel. Subitamente, depois de duas goleadas e um empate em casa com o 13º classificado, o túnel desapareceu. De repente, as opções do professor Jesualdo são duvidosas, o plantel é pobre, os reforços são fracos, a estratégia falhou e o modelo de gestão morreu. E o túnel? Com que desumanidade se descarta assim uma infraestrutura que, ao longo de tantas semanas, cumpriu com brilhantismo o seu papel de bode expiatório de todos os fracassos? Houve vigílias contra o modelo de gestão? Não. O plantel uniu-se para emitir um comunicado a condenar a sua própria falta de qualidade? Claro que não. Foi tudo feito sempre a pensar túnel, no mesmo túnel que é agora injustamente esquecido. A ingratidão é muito feia.
Mesmo tendo feito uma época menos boa, o clube da estrutura — ah, a estrutura! — continua a dar lições. No Benfica, onde a organização é fraca e a estrutura inexistente, dirigentes e adeptos têm celebrado o bom futebol, as goleadas e a liderança do campeonato. Um erro, evidentemente. São entusiasmos que não se admitem numa gestão altamente profissionalizada. No Porto, a estrutura — ah, a estrutura! — é sólida e não embarca em euforias. O presidente olhou para a tabela, verificou que se encontrava num prometedor terceiro lugar e, com toda a sensatez e realismo, prometeu o título de campeão a vivos e a defuntos. É assim que se gere um clube. Temos muito a aprender.
À chegada de Londres, Pinto da Costa não aproveitou a presença das câmaras e dos microfones para fazer uma das suas habituais e divertidas ironias, ou para atacar o centralismo, ou para declamar José Régio. Na verdade, Pinto da Costa nem sequer apareceu. O gesto, como sempre, foi mal interpretado. Não há, na atitude de Pinto da Costa, a mais pequena falta de solidariedade nem de coragem. Na verdade, foi um gesto de verdadeiro portista: a equipa tinha acabado de fazer história na Europa, e Pinto da Costa não quis roubar o protagonismo aos jogadores e treinador. Quando os jogadores são contratados, é ele que os descobre, que os negoceia, que tem a argúcia de os roubar ao Benfica. Quando levam cinco de um Arsenal desfalcado de Fabregas, Van Persie, Gallas, Djourou, Ramsey e Gibbs, é altura de se reconhecer o mérito ao professor Jesualdo. Há um tempo para tudo.
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