A magia sucede-se nos relvados como os versos se sucedem nos mais brilhantes poemas da história da literatura. E porque a magia não é lançada no relvado por acaso. Também segue uma lógica, tal como a métrica ordena os poemas. O poema de que vos falo, chama-se simplesmente “Aimar”.
Pablo Aimar é o jogador do momento no Benfica. Joga com a subtileza que Maradona um dia elogiou, e com a mesma vontade que o fez aceitar uma deslocação para bem longe da sua terra natal logo aos 14 anos, para ingressar no River Plate. A uma grande exibição, segue-se uma exibição fantástica, e a seguir uma outra de outra galáxia.
Eu estou completamente rendido à classe, à magia, ao tango de Pablo Aimar. Não é de hoje, mas vê-lo a brilhar desta forma no clube do meu coração, tem outra dimensão. Lembro-me dos resumos daquela fantástica equipa do River Plate, onde brilhavam sobretudo dois miúdos que deixaram louca a Europa do futebol. Um tal de Saviola e… Aimar. Lembro-me de arranjar na Internet vários artigos sobre Aimar. As jogadas dele, a impressionante lucidez e presença de espírito com apenas 19 ou 20 anos deixava-me boquiaberto em frente ao PC.
Por 24 milhões de Euros, o River deixou-o partir rumo a Valência. Lá como na Argentina, triunfou e converteu-se num ídolo. Depois veio o período mais negro da sua carreira… uma grave doença, lesões… e uma experiência no Saragoça particularmente traumática. E ainda assim, quando o seu nome apareceu na CMVM, no comunicado que confirmou a transferência para o Benfica, rejubilei interiormente. Aquele enorme jogador que há anos admirava, ia jogar no meu clube!
Não escondo que me preocupavam as questões físicas do Aimar. Mas tinha uma fé inabalável que cá ia reerguer-se e voltar a mostrar ao mundo do futebol porque razão Maradona, o deus do futebol, um dia disse que só havia um jogador que pagaria para ver jogar… Aimar!
Se na primeira época já tivemos uma amostra do talento deste jogador, não é menos verdade que tivemos também ainda os problemas físicos a perturbarem-no. Mas a melhoria parecia evidente. Não fez mais porque tivemos aquele espanhol ordinário a treinar a equipa. Vimos o Aimar a extremo esquerdo, a avançado… não dava para o argentino soltar todo o seu talento.
Depois, veio 2009/10. O melhor Benfica que vi na minha vida tinha a batuta de Aimar, embora eu até ache que nesse ano Carlos Martins ainda foi mais afirmativo nos momentos decisivos. Fisicamente melhor, com um enquadramento táctico favorável, vimos espectáculo sobretudo no início e no fim da época. E depois 2010/11, onde apesar da performance da equipa ter sido horrorosa, Aimar continuou a aumentar o seu nível. Vimos-lhe jogos que não víamos já desde o Valência. Com aquela rapidez e agilidade que destroem uma defesa, com a clareza de ideias para libertar a bola no momento certo.
E, por fim, estamos em 2011/12. E sinto-me esmagado pela qualidade que temos visto no Pablo Aimar. Usamos imensas vezes a expressão “não há palavras” para qualificar superlativamente muitas coisas que nos fazem vibrar no dia-a-dia. Mas ela tem real aplicação e expressão com Pablo Aimar. Quando uma simples simulação de corpo deixa dois adversários fora da jogada e isola um colega, o que podemos dizer? Nada, absolutamente nada. Apenas absorver o momento e rezar para que a nossa memória nunca fraqueje a ponto de perdermos um momento de puro futebol.
O que há para dizer quando vemos Aimar progredir com a bola, apertado por adversários bem mais corpulentos que ele, e acabar por os deixar para trás com uma mudança de direcção repentina? Nada. Não podemos dizer rigorosamente nada, tudo o que pudéssemos dizer para elogiar aquele momento pareceria sempre redutor para tão eloquente demonstração de competência.
Aimar é um jogador de uma classe como já não há. É um jogador que, apesar do seu brilhantismo individual, procura sempre exaltar o colectivo em vez de exibir a sua imensa gama de pormenores técnicos para sobressair. Mas é precisamente por isso que acaba por sobressair. A leveza de movimentos, caminhando no relvado como se na realidade estivesse a voar baixinho, só encontra na minha vivência do Benfica paralelo em outros dois jogadores que vi de águia ao peito: Valdo e Rui Costa. E no futebol mundial, não vi muitos mais. Aquela forma graciosa como recebe a bola e de imediato dá um sentido aquela posse de bola…!
É que ter a posse de bola é muito mais do que… ter a posse de bola. Ter a posse de bola é um exercício de inteligência e de estratégia. Fazer uma recepção orientada ou parar, fazer um passe de primeira para um colega, acelerar o jogo procurando atacar mais rapidamente ou tentar pausar um pouco mais para que todos os jogadores da equipa possam respirar um pouco antes de voltarem a acelerar o ritmo. Fazer um passe longo ou preferir triangulações curtas, rematar à baliza ou cruzar para a cabeça do ponta de lança. Mas não são estas acções técnicas a que se chama posse de bola. A verdadeira posse de bola é o exercício de decidir bem quando executar cada uma delas. Perceber qual a mais pertinente. Pensar mais à frente e pesar numa fracção de segundo os riscos de cada acção e o potencial dano que consigam causar ao adversário. E este conceito de posse de bola, se não lhe quiserem chamar posse de bola, podem simplesmente chamá-lo… “Pablo Aimar”.
O futebol ganha um outro sentido com jogadores como Aimar. Ganha uma dimensão artística, de verdadeiro espectáculo, a que ninguém fica indiferente. O bailado das triangulações, do movimento típico de receber a bola, passar e desmarcar, e todos aqueles lances com a assinatura do argentino são um hino a este magnífico desporto.
E depois o que transporta um jogador como o Aimar para um patamar ainda mais galáctico, é aquilo que é como pessoa. Sou do Benfica, e ser do Benfica é muito mais do que gostar apenas de um clube, apoiá-lo ao fim de semana e querer que ganhe. Ser do Benfica é ter determinados valores na vida dos quais me orgulho. A honestidade, a franqueza, a humildade, a competência e o trabalho, entre outros. E o Aimar, nascido bem longe de Lisboa, é o Benfica em pessoa. Normalmente tenho alguma dificuldade em dizer isto de um jogador estrangeiro, pois sou muito apegado à nossa história de grandes valores nacionais que defenderam as nossas cores. Mas sobre o Aimar não hesito. Toda aquela naturalidade com que faz uma recepção que muitos julgariam impossível, ele transporta-a para fora de campo. No sorriso sincero com que enfrenta uma pergunta mais complicada de um jornalista, na humildade com que evita um destaque superior ao da sua equipa. Com o recato com que preserva a sua vida privada, com o trabalho que nunca falta ao serviço do clube. Sim, porque ninguém é obrigado a jogar sempre bem… nem Maradona jogava sempre bem, nem Eusébio, nem Rui Costa, etc. Mas a jogadores como Aimar, que com mais ou menos inspiração, trabalham sempre da mesma forma profissional e séria, só há elogios a atribuir.
Pablo Aimar ao fim e ao cabo define-se simplesmente como classe! Dentro e fora dos relvados. A mesma magia com que encanta plateias durante os 90 minutos de cada jogo, é exactamente a mesma superior formação que fazem dele uma referência como ser humano. Porque se Aimar não seria o mesmo sem o seu enorme talento para o futebol, também não tenho dúvidas que o seu talento para o futebol não seria o mesmo sem as suas qualidades como ser humano.
Estamos na quarta época de Pablo Aimar no Benfica, e vendo que a cada época que passa, ele joga cada vez melhor e aparece fisicamente cada vez mais fresco, eu só posso pedir que ele fique connosco ainda mais alguns anos. Tem imenso para dar ao futebol.
Porque quero continuar a ficar em silêncio após as jogadas de Aimar. Quero continuar a surpreender-me cada vez que ele isola um colega apenas com uma simulação de corpo. Porque quero continuar a babar-me cada vez que recebe jogável uma bola bombeada pela defesa. Porque quero continuar a apreciar o carrossel ofensivo que ele dinamiza. Porque quero continuar a ser obrigado a rever vezes sem conta os lances que protagoniza em campo, na esperança de perceber como é que ele, numa fracção de segundos e à flor da relva, conseguiu perceber que existia uma linha de passe que nem do alto do 3º anel do Estádio da Luz se vislumbrava. E, claro, porque quero continuar a ficar com um sorriso de orelha a orelha quando vejo El Mago a expressar-se fora do relvado, com aquele discurso muito objectivo, inteligente e honesto. Jogadores assim fazem muita falta. Jogadores assim fizeram a nossa fantástica matriz Benfiquista!
Pablo Aimar, outro 10 imortal!
14 comentários:
Até chorei!
Lindo, obrigado train...
Se não há palavras para descrever Pablo Aimar, também fiquei sem palavras para descrever o teu artigo.
Manda vir mais, fantástico ;)
Lindo, um artigo à altura do nosso Pablo!
Parabéns train
Muito bom artigo, fantástico. Obrigado Aimar.
Simplesmente fantástico...Tanto Aimar como o artigo. Muito bom, mesmo!
Grandíssimo!
Parabéns uma vez mais, Train!
Fantástico Aimar; Fantástico artigo. Obrigado!
Fantástico! Parabens, grande grande grande texto, à medida do Mago da Luz!
Quando a magia é contagiante.....
Parabéns !
artigo assombroso e apaixonante
gostar de ver aimar, é gostar um bocadinho mais de futebol
Muito bom artigo Train, adorei ler.
rambo
É UM PRAZER VER JOGAR PABLO AIMAR NO SL BENFICA.. ESPERO VER MAIS TEMPO, ESPERO QUE ASSINE NOVO CONTRATO, É UM PREVILÉGIO TER UM JOGADOR COM TANTA CLASSE A JOGAR À BOLA, ELE NÃO SABE JOGAR DE OUTRA MANEIRA A NÃO SER COM CLASSE, UM VERDADEIRO MAESTRO QUE SUCEDEU A OUTRO MAESTRO CHAMADO RUI COSTA.
... Este Train é d'oiro!
Belo texto, se Aimar o ler, entenderá como o admiramos.
Grande texto sobre um grandissimo jogador :)
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