Ainda estou na ressaca de uma das noites mais hilariantes da minha vida, mas não resisto a escrever já umas linhas sobre o assunto. Acabado de ver um grande jogo de futebol entre a Argentina e os Estados Unidos, liguei-me nos canais noticiosos e decidi ir ficando a acompanhar o desenrolar das eleições do Sporting. Algo ali me estava a prender a atenção, e o facto de na altura já estarem passadas cinco horas sobre o fecho das urnas contribuiu certamente para essa ideia.
Toda a madrugada foi um chorrilho de episódios que envergonham o clube que sempre quis, hipocritamente, vincar a sua faceta nobre e de elite. Como todas as elites neste país, acabaram por cair com estrondo subjugada ao seu próprio ridículo. Desde a pancadaria às duas da manhã, com elementos das claques a tentarem invadir o sítio onde se contavam os votos (porque raios se lembraram de o fazer?), até a todo o unanimismo informativo que dava como certa a eleição de Bruno de Carvalho, culminando naquele momento, já cerca das 5h da manhã, em que Godinho Lopes começou a ser referido, quase num murmúrio, pelas cadeias de televisão que estavam em Alvalade.
Esta fabulosa noite, culminar de dois anos absolutamente inenarráveis do Sporting como potência humorística nacional incontestada, ainda havia de terminar com o presidente da mesa da assembleia-geral em exercício a comentar, no meio daquele caos todo que empurrou o anúncio do novo presidente para a sala de imprensa, que tinha achado uma certa piada à adrenalina da contagem dos votos!
Mas esta noite mostrou algo muito mais sério, porque transversal a praticamente todos os grandes clubes. Fora toda a palhaçada que vai sendo cada vez mais marca registada dos viscondes, há um facto muito relevante e que mina a democracia dos clubes: o escalonamento dos votos. Para prevenir golpes, os principais clubes privilegiam os sócios mais antigos dando-lhes mais poder nas votações. Só que isto, numa era em que a informação é permanente, em tempo real e é transmitida nos mais variados suportes, pode no limite resultar no que se viu no Sporting: o candidato com mais votantes, ter menos votos.
E depois, acontece haver uma massa de sócios mais velhos, mais desligados da realidade, com menos sensibilidade e vontade de se informarem, com mais aversão à mudança e com mais tendência para verem papões que sozinhos podem contrabalançar o poder de voto de uma multidão 5 ou 6x superior de gente mais nova. Isto é insustentável nos dias de hoje, e quero aqui lembrar que o Benfica ainda muito recentemente piorou a sua própria situação... ao criar um novo escalão de 50 votos, acima do escalão máximo anterior que dava um poder de votos.
Qual a lógica de um sócio poder votar por 50 outros? Se o problema são os golpes, não seria melhor impedir por exemplo a votação aos associados com menos de 5 anos de antiguidade por exemplo? Este sistema é totalmente insustentável num mundo como o de hoje em dia, e seria bom que este verdadeiro case-study fosse desde já aproveitado para reformular as democracias dos clubes. Porque eles hoje em dia vivem numa relatividade democrática que de vez em quando é extrapolada para uma ditadura comandada por minorias etárias... e isso é arrepiante.
4 comentários:
Exactamente, tocaste no ponto chave. Aliás, esta alteração dos estatutos que observámos não serve para mais nada a não ser a tentativa de eleger e promover uma espécie de regime ditatorial em que os que estão no poder dificilmente o perderão por vontade dos sócios mais velhos que são mais avessos à mudança. Pudemos constatar isso nas nossas eleições de 2000. É isso que continua a empurrar o Sporting para o abismo e que, a curto ou médio prazo, também nos poderá levar a um estado decrépito vulgarmente conhecido como "merda".
Eu também acho que cada sócio só deveria ter direito a um voto, e espero que o nosso clube faça essa reforma democrática. Mas atenção que este sistema de privilegiar os "velhos" não ocorre em todos os "principais clubes": no FCP, com todos os seus defeitos, cada sócio só tem direito a um voto, o que poderá tornar interessantes as eleições por aquelas bandas um dia que o PC se retire.
Por esta lógica, nas eleições legislativas, presidenciais, etc., os cidadãos eleitores mais velhos teriam direito a 10, 15 ou 20 votos, conforme a sua idade. Faria algum sentido?
Tem alguma lógica que os mais velhos tenham mais poder, mas nunca diferenças como as que são praticadas actualmente!
o comentário anterior de 27 março, 19h24, e pra todos em geral, eu digo, para eleições do país, quer sejam presidente, câmaras, governo, votamos porque "temos de votar", no sentido em que somos portugueses; mas do Benfica só é sócio quem quer. (o que não invalida que não vos dê ou não razão na vossa opinião, apenas quero chamar a atenção para que são situações diferentes)
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