Após uma longa paragem, o nosso canto dos convidados está de regresso, desta vez para trazer a história duma pessoa com um coração enorme e uma história de vida absolutamente fantástica e singular.
Possivelmente, muitos dos nossos leitores já ouviram falar sobre o feito heróico do nosso ilustre convidado, Jorge Silva, primeiro cidadão no mundo a fazer um transplante bi-pulmonar e renal numa única cirurgia .
Mas se o feito dele foi devidamente registado por todos os meios de comunicação social, o que pouca gente sabe, é o seu amor fervoroso ao Benfica, e toda a importancia que o nosso clube teve na sua recuperação.
A Fibrose Quísitica, o Benfica e o meu sonho
Chamo-me Jorge Silva, sofro de FQ (Fibrose Quística – doença atualmente ainda sem cura) e sou transplantado bi-pulmonar e renal, o primeiro a ser feito a nível mundial numa única cirurgia.
A minha história não é muito diferente da de muitas outras pessoas com problemas iguais ou similares em que o destino lhes traça previamente uma vida curta, retirando-lhes a possibilidade de aparentemente serem “normais”.
Nasci na Alemanha, a 17 de Agosto de 1970, numa pequenina cidade chamada Schopfheim, inserida numa das florestas mais conhecidas a nível mundial, a célebre “Floresta Negra” que se encontra e percorre todo o sul da Alemanha. Schopfheim situa-se a cerca de 25 km de Basel (Basileia) junto da fronteira com Suíça e França.
Desde pequenino que me questionei, o porquê de, apesar trabalhar tanto ou mais que os meus conhecidos nas actividades físicas, jamais atingia os mesmo resultados.
Porque estava constantemente doente ou porque passava a vida a tossir?
Sentia-me diferente dos outros tais “normais”.
Isto tudo traz-nos uma vantagem, aprendemos a defendermo-nos das dificuldades e dos obstáculos que nos vão surgindo ao longo da vida desde muita tenra idade.
A nossa maior arma é o sonho...sonhadores por natureza, idealizamos através destes, todos os nossos desejos, a partir dos quais acreditamos ser possível um dia a sua realização.
Como sabemos que nada nos cai do céu, arregaçamos as mangas e vamos á luta...lutamos até há exaustão pela sua realização.
Deste processo tiramos o maior proveito, porque quer o consigamos realizar ou não...enquanto sonhamos, fomos felizes.
Falando um pouco mais de mim, acabei por ter uma infância e mesmo uma adolescência mais ou menos estabilizada, nunca tendo feito muitas infecções pulmonares.
Sou um sonhador nato, sonho constantemente, acordado ou a dormir e posso dizer que já conquistei alguns triunfos bem saborosos na minha vida.
O sucesso do meu transplante já realizado há cerca de 3 anos e meio, tal como a adopção do meu filho hoje com 11 anos, são exemplos perfeitos que o sonho comanda a vida.
Complicações a sério começaram com os meus 30 anos quando adicionei uma insuficiência renal á minha doença e passei a fazer hemodiálise 3 vezes por semana durante 4 horas ligado a uma máquina.
Infecções acentuaram-se e a minha vida caminhava a um ritmo acelerado para o fim. Mesmo assim aguentei durante cerca de 6 anos, os tratamentos que a hemodiálise me obrigava a fazer, mais o desgaste do trabalho.
Como se não bastasse, quando chegava a casa, ainda tinha que arranjar energia para brincar com a maior luz da minha vida, o meu filho!
Se existem acontecimentos ou pessoas que entram na nossa vida na altura certa, esse foi mesmo o caso do meu filho.
Acabava de entrar em hemodiálise em Janeiro de 2001, as forças começaram a faltar e eu começava a perder esperança e ânimo para continuar.
Sem algo a que me agarrar, eis quando a 1 de Junho meu filho me entra em casa. Tudo que eu necessitava para a partir de então me levantar e combater heroicamente todos os obstáctulos que se iriam seguir.
Em Setembro de 2005 sou forçado a abandonar o trabalho, não só porque me faltavam as forças, mas porque também acabara de perder parcialmente a audição, total do lado direito e cerca de 50% lado esquerdo.
Tinha que guardar as forças que me restavam para algo em que eu acreditava que haveria de surgir para me prolongar a vida.
Em 2006 surge a primeira luz ao fundo do túnel, coloca-se a possibilidade de se executar um transplante duplo nunca antes feito que me poderia salvar e prolongar a vida. Sem hesitar, aceitei e embarquei nessa dura aventura que envolveu uma enorme luta de resistência a todas as adversidades que foram surgindo, desde ter que me mudar de armas e bagagem para a Corunha, deixando a família para trás, principalmente meu filho, passando pelo longo período de espera, quer para testes numa primeira fase, para ver se seria aceite (2 meses) quer depois já em lista de espera, aguardando a tal chamada milagrosa para ser transplantado, que demorou uns penosos 18 meses.
Posteriormente os cerca de 4 meses e meio de recuperação onde estão inseridos os 52 dias nos cuidados intensivos, sem duvida o período mais difícil. Um pouco de tudo aconteceu, desde uma paragem cardíaca com mais de 3 minutos aquando da retirada do primeiro pulmão, passando posteriormente pela paragem da função digestiva, infeção da vesicula que me levou de urgência ao bloco para a retirar e um princípio de rejeição ao fim do 5º dia que me obrigou a ficar entubado todo o tempo passado nos cuidados intensivos.
Nesse tempo tive sempre o apoio familiar, sobretudo de meus pais em que contei sempre com a companhia de um deles alternadamente a meu lado na Corunha e das visitas semanais do meu filho.
Coisas fundamentais sem dúvida aliado às notícias do meu glorioso, o Sport Lisboa e Benfica, que mesmo longe esteve sempre comigo no pensamento e dentro de meu coração. Boas ou más eram estas as coisas que me mantinham cheio de força e coragem para enfrentar o dia-a- dia.
Regressado a Portugal a 19 de Fevereiro de 2009, a tempo de festejar o aniversário do meu “herói” de sempre, o meu filho, tenho feito uma vida perfeitamente normal, tendo já regressado ao trabalho, à mesma empresa de sempre, feito um curso profissional, tendo participado num torneio de futsal e fazendo actualmente caminhadas em trilhos de montanha com a Borealis.
Como atrás referi, já cumpri uma data de sonhos incluindo o de assistir ao concerto dos U2, precisamente no dia do meu segundo aniversário de transplantado. Embora com a vida prolongada, a doença continua cá...não tem cura e o meu grande sonho é precisamente esse...a cura para a FQ não por mim, mas sim pelas crianças que a têm e sofrem imenso com ela.
Durante toda a minha vida, a ligação ao Benfica permitiu-me encarar a vida com uma força especial.
A primeira vez que entrei no Estádio da luz foi para ver um Benfica - Sporting. Estávamos em 1981, tinha regressado há poucos meses da Alemanha, foi o ultimo jogo em casa e o Benfica ganhou 2-1 com golos de Chiquinho e Nunes.
Nesse dia, o Benfica deu um passo importante para aquilo que mais tarde veio a ser uma a certeza. A conquista do campeonato nacional 80/81. Foi sem dúvida,uma sensação única, coisa de outro mundo.
Mais espectacular ainda, foi viver todo o ambiente á volta da partida com o Steaua de Bucareste em 1988.
Facto curioso, faltei ás aulas nesse dia para ir ver o jogo, custou-me o ano escolar, pois reprovei...mas nunca me arrependi. Tal como na vida, apenas me arrependo daquilo que não faço.
E o que faço pelo Benfica, enche-me de orgulho.
Voltando ao jogo, ganhamos por 2-0, os dois golos marcados por Rui Águas , conseguindo o Benfica com este feito, alcançar a 7ª final europeia da sua história.
O Estádio estava lotado, 120 mil pessoas nas bancadas, e aquando dos golos, parecia que algo mais forte subia e nos empurrava até ao céu.
A chama imensa!
Sonhar é um dos meus maiores lemas, e existe um, pela extrema importância que teve na minha vida e em todo este processo do transplante que desejo realizar mais que nunca neste momento...
Ter a honra de conhecer o Benfica por dentro. Poder conhecer pessoalmente o nosso presidente, conviver com o actual plantel e a todos pedir um autógrafo.
Ter o privilégio de voltar a assistir a um jogo lado a lado da grande família benfiquista seria o alcançar dum sonho que infelizmente as circunstâncias actuais não me têm permitido realizar.
São estas pequenas coisas que por mais pequenas que pareçam nos dão força de continuar a fazer aquilo que mais preservo e gosto...VIVER.
Não depende de mim, mas quem sabe...um dia realizarei este SONHO.
Saudações Benfiquistas
Jorge Silva
9 comentários:
Excelente e emocionante registo de vida.
É caso para perguntar, Fundação Benfica, where are you?
Tenho a dizer que o grande Jorge Silva é uma das pessoas mais fascinantes com quem já tive o prazer de privar.
A sua história de vida deixa qualquer um perturbado, dada a quantidade de adversidades que teve de enfrentar, e que tão heroicamente sempre venceu.
Um verdadeiro herói!
arrepiante....
Um tremendo testemunho de quem gosta e quer viver. Sempre...e à Benfica!
A história de um herói que acaba por nos emocionar a todos com tamanho testemunho.
Daqui envio um grande, grande abraço ao Jorge Silva!
Saudações benfiquistas
Fiquei sem palavras....
O que é rarissimo !... :)
Enorme é o sonhador que obedece ao proprio sonho !
Um grande abraço para si.
E PLURIBUS UNUM
Laurinda
Se há pessoas a quem a palavra de herói assenta bem, este é um deles!
Essa força de viver é tocante.
É o sonho que comanda a nossa vida,nunca mas nunca sequer pense em desistir!
Obrigado por me ter feito minimizar os meus problemas... pense que a sua história de vida inspiram outras,pense que essa força de viver contagia quem passa por maus momentos.
Um grande abraço e obrigado por partilhar a sua história de vida!
Paulo Rios
Relato na 1ª pessoa duma história absolutamente fascinante!!!!
Penso já ter visto este senhor ser entrevistado num qualquer programa da manhã, e já na altura fiquei emocionado.
É sem dúvida uma história linda de coragem e perseverança!
Nunca desista de ser feliz!
Siempre se encontrará con algo malo. Gracias al autor de una historia aquí que es muy inspirador. Aún en las cosas malas que la gente puede pasar rápidamente, empezar una nueva vida.
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