O «caso» Simões e um golo sensacional de Eusébio. Não perca, este
domingo a partir das 18 horas, o V. Guimarães v Benfica da 5ª jornada do
Campeonato Nacional.
Jorge Jesus tem razão quando
refere que as visitas do Benfica a Guimarães são tradicionalmente complicadas.
Quando no início de 1968 o campeão se deslocou à cidade berço para mais uma
jornada do campeonato português já as crónicas da altura - como as de hoje - apontavam
o jogo com o Vitória minhoto «como um cutelo carregado de ameaças sobre as
aspirações benfiquistas». Porque a boa equipa Vimaranense, que na época
seguinte obteria a sua melhor classificação de sempre no campeonato nacional (3º
lugar), para além de já ter vencido no seu reduto as boas equipas do FCPorto e
da Académica, perdera na primeira volta na Luz por apenas um golo, criando
grandes dificuldades a uma equipa do Benfica que no final do ano disputaria a
sua quinta final da Taça dos Campeões Europeus. Somando a tudo isto a indisfarçável
agitação no futebol encarnado provocada pelo «caso» Simões – já lá vamos -, estavam
reunidos os ingredientes para que o Vitória de Guimarães v Benfica fosse o
grande acontecimento daquele primeiro fim de semana de Fevereiro.
Tendo isto em conta, certamente ninguém
esperaria uma goleada benfiquista mas esqueciam-se tais mentes pensantes que as
circunstâncias eram favoráveis às pretensões encarnadas e, claro está, uma
goleada foi precisamente aquilo que veio a suceder. À evidente categoria dos
jogadores benfiquistas juntava-se a ausência de três figuras proeminentes na
equipa minhota – o esteio da defesa Joaquim Jorge, o guardião Roldão e o
avançado Mendes -, facto que significou um rude golpe nas suas pretensões. Sem
mais suspense afirme-se desde já que a vitória benfiquista se alicerçou em
quatro golos sem resposta, feito que só viria a ser igualado no virar do século
e por duas vezes, repetindo-se em 2001 (João Tomás!) e 2013 a «chuva» de golos
daquela fria tarde de Inverno.
No que se refere ao jogo, Eusébio
foi «rei» no assalto ao «castelo» de Guimarães. Três golos marcou ele ao pobre Giesteira,
guarda-redes que substituiu o absoluto Roldão. Apesar de tudo, a partida iniciou-se
com o grupo minhoto ao ataque, retumbante e veloz, com José Henrique a brilhar
logo nos primeiros cinco minutos respondendo a um remate de Augusto com uma defesa
extraordinária. Estes cinco minutos, porém, foram todo o tempo que a
entusiástica investida minhota durou. Na primeira vez que Torres e seus pares
pisaram a área contrária, o Benfica fez um golo. Giesteira errou e Eusébio, «em
doce liberdade» (grande drible à
censura!), parou no peito e não perdoou.
Apesar de não reflectir a produção das duas equipas até ali, a alegria do golo
teve o condão de libertar a máquina benfiquista para uma partida que se revelou
fácil e tranquila. Explorando a insegurança da defesa vimaranense, os jogadores
encarnados solicitavam constantemente os seus dianteiros mais rápidos e Jaime
Graça esteve muito perto de marcar, mas de ambas as vezes falhou isolado perante
Giesteira. Entre estes dois lances, surgiu com naturalidade o segundo golo
encarnado. Torres rematou sem preparação uma bola cabeceada por José Augusto e
esta só parou no fundo das redes. Estava feito o segundo, mas o melhor estava
ainda para vir. Dos pés de Eusébio, naturalmente. Partindo praticamente de
meio-campo, o moçambicano arrancou no início da segunda parte para uma jogada
sensacional, deixando vários adversários para trás e terminando com um
fulminante disparo com o pé esquerdo. Três a zero para o Benfica num momento fantástico
do «Rei». Daqui em diante, os encarnados soltaram em campo todo o seu talento
e os lances iminentes de golo sucederam-se com impressionante frequência e
facilidade. Eusébio completou o seu
hattrick
já no final da partida numa boa jogada colectiva em que a bola circulou de pé
para pé desde o meio-campo até ao disparo final do pantera negra nas imediações
da área. O Benfica mantinha assim os mesmos 23 pontos que o Sporting no topo do
«Nacional» da 1ª Divisão (seria campeão) e Eusébio cimentava a sua liderança na
lista dos melhores marcadores com 16 golos em 14 jogos, mais dois que Ernesto e
mais três que Artur Jorge, ambos da Académica.
E o «caso» Simões? Ah sim, é
verdade. A actualidade benfiquista de então era dominada pelo diferendo entre
Simões e o Benfica, tendo este endereçado à direcção do clube um pedido de
rescisão contratual por falta de pagamento de uma «prestação» prevista em
contrato. Era assim: no contrato que ligava Simões ao Benfica, assinado a 2 de
Agosto de 1965, estava previsto que as suas «luvas» anuais seriam de duzentos e
cinquenta contos e seriam pagas em quatro prestações nos meses de Setembro,
Dezembro, Março e Junho. Ora o Benfica não tinha pago os sessenta e dois mil e
quinhentos escudos do mês de Dezembro (estávamos em Fevereiro) e Simões fez
valer os seus direitos causando agitação no clube. O Benfica encarava o assunto
«sem grandes apreensões» e entretanto tudo acabou por se resolver. Simões
jogaria em Guimarães naquela agitada semana e jogaria muitas mais vezes pelo Benfica
até 1975, ano em que terminaria catorze anos de ligação ao clube para se
dedicar ao
soccer nos
States.
TEXTO BASEADO E ADAPTADO DA EDIÇÃO DO DIÁRIO DE LISBOA DO DIA 05/02/1968.