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domingo, 13 de junho de 2010

Argentina - Nigéria: A crónica

Como o Benfica está de férias, decidi-me a escrever um pouco sobre a campanha da Argentina no Mundial. Desde 1994, primeiro Mundial que vi com olhos de ver, que apoio incondicionalmente a Argentina. Gosto muito do país, do seu povo, da maneira de ser daquela gente, da forma como acreditam uns nos outros, da forma como criam ídolos, os respeitam e os guardam na memória. E, claro, por causa de Maradona... mal tive recursos para o fazer, rodeei-me de centenas de vídeos do D10S para rever os melhores anos da carreira dele. O melhor de todos os tempos, um ídolo com características tão especiais que obviamente tem um lugar único na história do desporto-rei.


Andava nervoso há alguns dias por causa da estreia da Argentina. Depois da muito sofrida qualificação, de uma convocatória polémica para o Mundial, e de um auspicioso jogo de preparação contra o Canadá, estava mais do que ansioso para saber que Argentina teríamos na África do Sul. Uma Argentina na linha do que têm sido as suas mais recentes participações em Mundiais, ou se por outro lado aparecia novamente uma equipa com alma e competência para sonhar com outros vôos.


Depois do magnífico hino argentino, entoado pelos milhares de argentinos que ocuparam a maior parte dos 62000 lugares do estádio, lá apitou o árbitro para o início do jogo. A Argentina apresentou Romero na baliza, Jonas Gutierrez à direita da defesa, Heinze à esquerda, DeMichelis e Samuel no centro. Um meio campo formado por Mascherano, Veron, Di Maria e Messi, apoiando os avançados Tevez e Higuain.


A Argentina cedo mostrou ao que vinha. Mesmo cedendo uma oportunidade de razoável perigo para a Nigéria, no que foi a primeira falha de Jonas no jogo, a Argentina rapidamente estabeleceu um caudal de jogo ofensivo impressionante. Jogando num 4-4-2 losango, mas variando muito até um 3-4-3 em processo ofensivo, e para uma variante do 3-5-2 em algumas situações do jogo. Com uma pressão alta asfixiante, a Argentina ganhava rapidamente a posse de bola, e lançava os venenosos ataques de Messi e companhia limitada. Aos 6 minutos, já Higuain tinha falhado um golo certo, Eneyama tinha defendido um grande remate de Messi, e Heinze cabeceava para o 1-0. Um início fulgurante, sem acusar minimamente o peso da pressão, das expectativas e da triste fase de qualificação para o Mundial.


A Argentina de imediato baixou um pouco o ritmo, mas manteve durante toda a primeira parte um pressing alto. Veron e Mascherano estiveram exemplares nesse particular, recuperando rapidamente imensas bolas a meio campo. Veron não esteve nunca bem na fase de construção, mas em situação defensiva esteve francamente bem, há que dizê-lo. O ataque era claramente focado em Messi, finalmente jogando solto no esquema de Maradona. Liberto de correntes, jogou normalmente num espaço deixado vago entre 4 jogadores da Nigéria, entre o seu meio campo e a sua defesa. Daí partia sempre para cavalgadas e combinações, sobretudo com Tevez. Foi quase impossível pará-lo, algo apenas conseguido pelo guarda-redes nigeriano, catapultado para uma grande exibição à custa dos remates do nº 10 alviceleste.




Francamente interessante foi assistir à transição defensiva da Argentina, normalmente demasiado má. Hoje, viu-se claramente que a Argentina tem trabalhado muito o plano táctico. Não só ofensivamente o plano surtiu efeito, como se pode comprovar pelo enorme número de oportunidades de golo criadas, como defensivamente se notou claramente uma grande melhoria. Mascherano e Veron souberam ocupar de forma perfeita os espaços, e eventualmente compensar na transição defensiva colegas desposicionados por jogadas atacantes. Di Maria cumpriu um papel muito semelhante ao do Benfica, baixando muito bem para dobrar o lateral Heinze, e garantindo uma grande consistência ao seu flanco.


Durante a primeira parte, houve tempo para mais um punhado de oportunidades, desperdiçadas por Messi e Higuain. Estranha a insistência em Higuain, embora compreenda que as ligeiras diferenças que tem para Milito (que é igualmente habilidoso e rápido, no entanto) nesta forma de jogar da Argentina fazem alguma diferença no processo de construção ofensiva. Mas o que se perderia nesse aspecto, seria mais do que compensado pela efectividade das acções de Milito. Talvez uma em cada dez das jogadas que Higuain ajuda a construir, com Milito não teriam seguimento. Mas nas restantes, a eficácia e o sentido matador de Milito é totalmente diferente, para melhor. Higuain voltou a falhar golos incríveis, fáceis... e nestes palcos, isso na maior parte das vezes é a diferença entre seguir em frente ou ser eliminado.


Na segunda parte, a primeira grande diferença foi física. Alguns jogadores acusaram rapidamente o desgaste físico, motivo pelo qual a Argentina da 2ª parte pressionou menos. Continuou a conseguir dominar os ritmos da partida, a posse de bola, mas já tolerava que a recuperação da posse de bola se desse apenas junto à sua baliza, o que ainda valeu 2 ou 3 sustos durante os últimos 45 minutos. Sobretudo porque na direita, a adaptação de Jonas voltou a provar-se um erro, sendo uma autêntica auto-estrada para os adversários que saibam aproveitar as suas debilidades defensivas. Mal posicionado quase sempre e com fraca capacidade de marcação e desarme, foi sempre por lá que a Nigéria criou os maiores incómodos. Surgiram menos oportunidades para a Argentina, mas ainda assim foram suas as melhores. Messi e Higuain, novamente, foram demasiado perdulários na hora de finalizar.


Não consegui compreender a inexistência em campo de Di Maria. Por um lado, houve um óbvio esquecimento da equipa face ao papel que o nº 7 podia desempenhar no jogo, mesmo quando as circunstâncias do jogo a isso obrigavam. A excessiva vontade em entregar a batuta a Messi, que caía com Tevez mais para o flanco contrário, o direito, é sem dúvida uma das principais razões. Mas o facto é que numa das poucas combinações em que Di Maria se envolveu, fez um passe magistral que isolou Messi, tendo este falhado o golo na cara do guarda-redes. É um processo de jogo que tem de ser revisto, pois com Di Maria a acompanhar um super Messi (que grande exibição!), um óptimo Tevez (ou Aguero) e Higuain (ou Milito), é garantido que a Argentina fará sempre mossa nas defesas adversárias.


A diferença que se acentuou com o decorrer da segunda parte teve origem em Veron. Sempre pouco certo nas acções ofensivas, quebrou demasiado fisicamente e expôs o meio campo argentino a investidas nigerianas até aí impensáveis pela boa ocupação de espaços que vinha sendo promovida. Maradona devia tê-lo tirado mais cedo de jogo, e de preferência para lançar Pastore. O jovem nº 23 é daqueles que dá gosto ver jogar, tem processos parecidos a Aimar, e como se provou no jogo de preparação contra o Canadá, encaixa melhor no estilo de jogo da alviceleste. Mais pensado, de passe curto, de maior recorte técnico, por oposição ao jogo mais impulsivo e directo de Veron.


Ainda assim, foi sempre a Argentina a pautar o jogo, com longas trocas de bola que mantinham a Nigéria longe da baliza de Romero. Ainda ameaçaram no final da partida, mas não me parece que a vitória tenha estado alguma vez em causa, tamanha a superioridade evidenciada pelos argentinos, mesmo nos seus períodos mais desinspirados durante o jogo.


A tremenda evolução táctica da equipa é a nota de maior destaque. O estágio de preparação foi claramente bem aproveitado, pois actualmente salta à vista um plano de jogo muito claro, uma estratégia defensiva que faltava há largos anos à Argentina e um bom aproveitamento das potencialidades dos jogadores escalonados no onze titular. Falta aprimorar a ligação de Messi com Di Maria, falta resolver o problema Gutierrez (se for para manter uma base de 4-4-2 e não de 3-4-3, possivelmente a adaptação de Otamendi pode constituir uma boa solução) e trabalhar de outra forma o estilo de jogo de Veron. Ou, em alternativa, lançar um outro jogador no seu lugar. Pode ser Maxi Rodriguez, pode ser Pastore. Qualquer um deles me parece mais viável nesta equipa face aquilo que é a sua matriz mais normal de jogo.


Resumindo, vi uma Argentina capaz de aspirar a grandes vôos, com óbvios defeitos mas com muito valiosas virtudes, com uma enorme progressão no último mês em todos os capítulos do seu jogo. E com um Messi a render finalmente o que rende no Barcelona, tudo é possível. Dos três possíveis candidatos que já jogaram (França, Argentina e Inglaterra), a Argentina é, de longe, aquele que mais marcou território nesse sentido.

Foto: AFA
Ler também:
crónica de Pablo Aimar sobre este jogo
análise ao jogo de Di Maria

1 comentários:

Por muito que não me identifique com a selecção da FPF, será por ela que torcerei neste mundial.
Porém, confesso que seria uma felicidade imensa ver a Argentina vencer o mundial, sobretudo pela presença do nosso campeão, o nº 7 alviceleste!

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