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Quando um
desmoralizado Messias salvou a filosofia de Hagan por um dia. Não perca, esta
terça-feira às 19:45, o Olympiakos v Benfica da quarta jornada da fase de
grupos da Liga dos Campeões.
Talvez seja
apenas a mente humana a criar paralelismos onde eles não existem; paralelismos daqueles que
nos forçam a criar ligações entre tempos separados por décadas, mas é
difícil olhar para o Benfica do início de temporada de 1973 e não ver um pouco
do Benfica de 2013. Claro que eram outros tempos; desde logo, tempos em que o
Benfica era não só campeão mas tri-campeão, e também tempos onde comparar uma
personalidade do futebol a um soldado não ofendia a honra nacional (até
porque Jimmy Hagan serviu mesmo no exército inglês durante a II Grande Guerra). Mas dizia eu que o Benfica de 2013 tinha um
pouco do Benfica de 1973, mais que não seja porque ambos os conjuntos demoravam
a revelar a capacidade demonstrada na temporada imediatamente anterior, ou porque
os resultados não eram os esperados, ou porque o treinador era fortemente contestado,
ou porque um jogador mais «mal-amado» era assobiado em pleno jogo.
Foi nestas
circunstâncias (nada fáceis, diga-se) que o Benfica se preparou para receber o campeão grego
Olympiakos na primeira ronda da Taça dos Campeões. O começo da época benfiquista não estava a correr da melhor maneira (derrota com o Boavista e vitória frente ao Leixões nos ensaios gerais para a europa), mas não
obstante o periclitante início a expectativa entre os adeptos encarnados era a de uma
noite de gala frente aos gregos. Pois se tantas vezes antes tinha acontecido
maus ensaios resultarem em noites europeias galopantes, porque razão haveria de
ser diferente desta vez? Um desconfiado Malta da Silva falava mesmo «em fazer todos os
possíveis para obter uns cinco ou seis golos de vantagem», mas um desejo não
passa disso mesmo e os gregos também vinham à Luz jogar à bola.
Apesar do
jogo ter sido bastante aziago para Malta da Silva – para além da sua
expectativa se ter gorado ainda se aleijou tendo de ser substituído
-, a supremacia técnica dos jogadores benfiquistas nunca esteve em
causa apesar de vários calafrios causados pelos gregos. A estratégia benfiquista de bombear bolas para cima da baliza grega («pelo ar, pelo ar» gritava Jimmy Hagan) iam
sendo contrabalançadas com rápidos contra-ataques helénicos, tendo um deles
terminado mesmo num remate certeiro mas claramente ilegal (fora de jogo). Toni e Simões bem
tentavam, mas a barreira helénica de nove homens em torno da baliza de
Kelesidis tornavam infrutíferas as variadas tentativas «encarnadas». Com Jordão
desaparecido e Eusébio preso numaa marcação impiedosa de três jogadores contrários (terá sido aqui que nasceu a expressão «vai atrás dele até à casa de
banho?») o intervalo chegou com um nulo que agradava a gregos mas não a
troianos (leia-se portugueses).
Sem a alegria do golo (que tardava), a frustração alastrava pelas bancadas. «Cadê Jordão?
Onde está Eusébio? Para quem os centros a primor de Nené? (Artur Jorge apenas assistia da bancada)». O Benfica insistia
na filosofia de Hagan por entre mais calafrios gregos – outro golo anulado, uma bola
ao ferro e José Henrique a voar de poste a poste – até que após a enésima bola chutada
para cima da baliza de Kelesidis lá apareceu um anjo salvador a dizer que sim a Jimmy Hagan e a abrir
importante brecha no coração do Olimpo. Golo do Benfica e de um mal-amado
Messias, que já depois de assobiado pelo público logo nos primeiros instantes da
partida (com Humberto a pedir calma às bancadas «num gesto que define um
carácter») teve a sua redenção ao assinar o golo da vitória encarnada. É verdade, mesmo com o acentuar da pressão dos da casa o resultado não se alterou até final e um pouco
convincente Benfica levava mesmo para o Pireu um quinto da vantagem desejada. Ninguém
estranhou, pois, quando os gregos festejaram intensamente o apito final, relembrando (ou
talvez esquecendo) que ainda faltavam noventa minutos.
No segundo
jogo em Atenas tudo foi diferente menos o resultado. O inglês que dizia «que
tirava da equipa quem não chutasse bolas para cima da baliza» já não ditava as
ordens (tinha-se demitido das suas funções após um célebre episódio decorrido
nos «bastidores» da festa de homenagem a Eusébio) e um Benfica comandado por um interino Fernando Cabrita deslumbrou as gentes do Pireu com um futebol de
passes curtos, acelerações rápidas, desmarcações e bolinha no chão. Uma vitória
«à portuguesa», como diria o treinador no final.
Depois de um
quarto de hora inicial em que os gregos atacaram a bom atacar, valendo-se o
Benfica da resistência de um quarteto defensivo composto por Malta da Silva, Messias, Humberto
e Adolfo, a turma encarnada apoderou-se da bola para não mais a largar durante
a primeira metade. Aos 29 minutos uma combinação perfeita entre Malta da Silva
e Toni resultou num primeiro remate de Eusébio, tendo na continuação aparecido
Nené, após um ressalto, a rematar colocado para o fundo da baliza. Silêncio
sepulcral no Estádio do Pireu e vantagem «encarnada» que se revelaria decisiva. Com o correr do relógio, e já depois do intervalo, o Olympiakos acercava-se cada vez mais da baliza de José Henrique (sem grande perigo), mas era o Benfica que controlava verdadeiramente a partida. Nené só não fez o segundo golo porque primeiro o árbitro não quis ver que «a bola esteve lá dentro uns bons palmos» após ser cabeceada certeiramente na resposta a cruzamento de Toni; e depois porque falhou de
forma incrível a dois metros da linha de golo uma brilhante jogada de Toni pela direita, já muito perto do final do jogo.
Não houve tempo para mais e para a
história (e essa é que interessa) ficou uma grande vitória do Benfica no Pireu (única até hoje) e a continuação
na Taça dos Campeões Europeus, numa eliminatória em que o estilo de jogo português, tido como
«habilidoso, malandro e com genica», se sobrepôs na mente de todos ao
estilo de jogo inglês (de Jimmy Hagan) baseado na filosofia dos «mais altos e
mais fortes». No final, e apesar do triunfo, o tema de conversa era o
novo treinador: Miljan Miljanic (do Estrela Vermelha) era o preferido, enquanto Max
Merkel (campeão pelo Atlético de Madrid) e Frank O’Farrel (ex-Manchester
United) constavam também no topo da lista de candidatos. Nenhum deles chegaria porém, e
seria mesmo Fernando Cabrita a ser eliminado pelo Ujpest na ronda seguinte da Taça dos Campeões e a levar a equipa a um segundo lugar no campeonato nacional.
Texto
baseado e adaptado das edições do Diário de Lisboa dos dias 19/09/1973,
20/09/1973 e 04/10/1973.
2 comentários:
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